Em Portugal, a Constituição (CRP) integra as Forças Armadas (FA) na missão quase exclusiva de assegurar a defesa militar da República (nº 1 do art.º 275º), sendo que essa atividade visa proteger o Estado e os cidadãos contra ameaças externas (nº 2 do art.º 273º). Fora do cenário do estado de sítio (art.º 19º da CRP), o qual envolve o emprego das FA, o nº 6 do art.º 275º da CRP, nas missões civis e subsidiárias que as FA podem cumprir (nº 6 do art.º 275º da CRP) não figura literalmente a segurança.
O texto da Constituição foi marcado pela revisão constitucional de 1982, aprovado no contexto do fim do Conselho da Revolução e do fim do autogoverno militar, é dos mais restritivos da Europa quanto ao uso da força pelas Forças Armadas em tempo de paz. Ora essa restrição revela-se dificilmente compatível com as novas ameaças do tempo presente ligadas ao combate ao terrorismo e à criminalidade internacional altamente organizada, ínsito no conceito estratégico da NATO e no Conceito Estratégico de defesa nacional.
Atentos os dois graves conflitos militares internacionais do tempo presente, a possibilidade de as FA serem incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em tarefas de segurança relacionadas com as necessidades básicas das populações, a par da proteção civil ( nº 6 do art.º 275º) pode implicar a reinterpretação de um parâmetro constitucional algo indeterminado, de forma a permitir o uso da força na proteção de infraestruturas militares e civis, bem como de ações de autodefesa contra intrusões ou agressões.
Na verdade, não existe na Constituição nenhuma regra que proíba às FA o uso da força em missões de proteção civil e satisfação de necessidades básicas das populações (nº 6 do art.º 275º da CRP). Do mesmo modo a detenção em flagrante delito (alínea a) do nº 3 do art.º 27º da CRP) não se encontra reservada a forças policiais, podendo a lei alargá-la a outras autoridades, nomeadamente militares, contanto que haja um nexo causal com as missões que, nos termos legais lhes possam ser atribuídas.
A fórmula “necessidades básicas” da população constitui uma fórmula aberta de conteúdo fortemente indeterminado, que pode abranger infraestruturas, prestações, serviços ou exigências indispensáveis para prover à proteção, à assistência da população, sem as quais o Estado não pode garantir a segurança, a justiça e em situações críticas ou de risco.
Parece evidente que, caso não seja assegurada por lei, a possibilidade das FA usarem a força para, num quadro de autodefesa, protegerem as instalações castrenses, veículos militares e até infraestuturas básicas como os serviços de água, eletricidade e aeroportos, contra agressões que, quando se consumam não são imediatamente identificáveis como internas ou externas, o Estado se omite da sua obrigação de assegurar a defesa nacional e, através dela, a liberdade e segurança das populações contra essas ameaças. Instalações militares e meios de transporte militar de pessoas e material que sejam indefensáveis não asseguram a realização da segurança como fim do Estado contra ameaças e agressões externas e internas e inibem neste domínio que as FA estejam aptas a garantir a liberdade e segurança da população, como necessidade básica de relevo constitucional.
Em suma, a segurança das unidades, bens militares e serviços básicos de interesse geral é um pressuposto da liberdade e segurança das populações e a autodefesa das FA é condição necessária para o Estado assegurar a independência nacional (nº 2 do art.º 273º da CRP).
É evidente que a atribuição de missões às FA neste contexto carece de regulação legal e o facto é que existe desde há muito uma lacuna problemática nesta matéria. Julga-se ser importante atualizar ou reinterpretar o dispositivo constitucional suprir no plano legal uma falha regulatória de forma a enfrentar as ameaças reais do tempo presente.