Juros indemnizatórios em decisões anulatórias de liquidações de tributos

Juros indemnizatórios em decisões anulatórias de liquidações de tributos

O artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT) tem como epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”.

No seu nº 1 estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Em consonância com esta disposição, o artigo 100º da mesma LGT, cuja epígrafe é “Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo”, estatui a obrigação da administração tributária “em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo”, à “plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstas na lei”.

Para além das situações em que, através de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, se tenha determinado ter havido “erro imputável aos serviços”, que teve como consequência ter o contribuinte pago mais do que era legalmente devido, o nº 2 do referido artigo 43º da LGT, regula, para que dúvidas não existam, as situações em que a liquidação do tributo foi feita com base na declaração do contribuinte e se vem a constatar que havia erros nessa declaração apresentada pelo contribuinte.

Ora, em tal caso, pareceria não serem exigíveis juros indemnizatórios à Administração Tributária, uma vez que esta se “limitou” a liquidar o imposto com base, e apenas com base, na declaração (errada) do contribuinte.

Porém, o legislador, e, sem qualquer dúvida, bem, estabeleceu no nº 2 do referido artigo 43º da LGT, que se na referida declaração errada do contribuinte, este, no seu preenchimento, seguiu as “orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”, considera-se que a liquidação resultou de erro da administração tributária, pelo que são devidos juros indemnizatórios.

Para além de estabelecer que a taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa de juros compensatórios que são devidos pelos contribuintes por retardamento da liquidação do imposto, por facto imputável ao contribuinte – hoje, de 4% ao ano – o artigo 43º da LGT prevê ainda a existência de juros indemnizatórios quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos, bem como em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito (alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 43º da LGT).

O legislador estabeleceu, também, uma regra específica para a revisão do ato tributário, figura prevista no artigo 78º da LGT. Esta específica regra é a de que só há lugar a juros indemnizatórios se a revisão do ato tributário tiver lugar mais de um ano após o pedido do contribuinte e, nesse caso, esses juros indemnizatórios contam-se a partir da decorrência do referido prazo de um ano.

Tem entendido a jurisprudência que o pedido de revisão pelo contribuinte tem lugar por este ter, por negligência sua, deixado ultrapassar os prazos normais da reclamação e da impugnação, pelo que bem se perceberia essa regra constante da alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT – cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11/1/2024 (Processo nº 116/14.6BEALM).

A alínea d) do nº 3 do artigo 43º da LGT, regula uma outra situação – que são devidos juros indemnizatórios “em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade de norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

Regressando ao nº 1 do artigo 43º da LGT, que, recorde-se, estatui que são devidos juros indemnizatórios quando se determina, em reclamação graciosa ou impugnação, judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, a jurisprudência tem feito uma interpretação restritiva sobre o conceito de “erro imputável aos serviços”.

Ainda recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 21 de Junho de 2023 (Processo nº 11/23.8BALSB), do Pleno da 2ª Secção, uniformizou  a jurisprudência nos seguintes termos: “Sedimentar o entendimento de que, quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental, falta de fundamentação, ou equivalente) não são devidos juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos do art.º 43º, nº 1 da LGT” – acórdão publicado no Diário da República, 1ª Série, de 12 de janeiro de 2024.

No referido acórdão, é reafirmado o entendimento de há muito firmado pelo STA, segundo o qual:

a) Só no caso de haver um erro na aplicação do direito é “(…) que se gera uma efetiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente da imposição de cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios”;

   b) Ao invés, “quando os atos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do ato, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigido ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinado ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição de que foi pago é suficientemente para tornar indemne o sujeito passivo”.

Esta questão já tinha sido objeto de decisão, quanto ao juízo de constitucionalidade, pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 83/2014, de 22/1/2014, Processo nº 203/13, 2ª Secção, Relator Conselheiro Pedro Machete, onde se afirma, além do mais, que o entendimento de que não há lugar à aplicação do artigo 43º da LGT quando a anulação do ato tributário se fundou em ilegalidade de natureza orgânico-formal, não obsta a que o contribuinte, em processo próprio, não faça a demonstração da existência de direito à indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual.

Trata-se, repete-se, de um entendimento firmado, o que não quer dizer, obviamente, que não seja (ou possa ser) discutível.

Basta, a esse propósito, não esquecer que os juros indemnizatórios destinam-se a ressarcir o tempo em que o contribuinte esteve privado de dispor, normalmente, de uma quantia, o que ocorre também nas situações de vícios formais do ato tributário. E é, ou devia ser, quanto basta para se ter (imediato) direito aos juros indemnizatórios.