A exclusão dos contratos de subvenção do âmbito do regime geral da contratação pública

O artigo 5.º/4, c) do CCP exclui do âmbito objetivo da respetiva parte II — isto é, do regime geral da contratação pública — os contratos “cujo objeto principal consista na atribuição, por qualquer das entidades adjudicantes referidas no n.º 1 do artigo 2.º, de subsídios ou subvenções de qualquer natureza”.

Em grande medida concretizadora do critério geral de concorrencialidade prevista no artigo 5.º/1 do CCP, trata-se de uma regra que se explica em função do contexto e do tipo de interesses subjacentes às decisões públicas de atribuição de subsídios ou de subvenções. Com efeito, “sendo a atribuição de subsídios ou subvenções presidida por considerações de interesse público que escapam a uma lógica concorrencial, é inexequível a subordinação da escolha do seu beneficiário a uma adjudicação num procedimento pré-contratual”[1]. E isso é fundamentalmente assim porque, mesmo quando concretizada num contrato, na atribuição de subsídios ou subvenções públicas em favor de entidades privadas, o que está em causa “não é a satisfação de interesses económicos específicos da entidade pública contratante, mas sim o fornecimento, a «fundo perdido», de meios que permitem a uma determinada organização levar a cabo fins que lhe são próprios e que são concebidos como valiosos pela entidade contratante”[2].

Ponto é que, para fazer aplicar esta exceção ao regime da contratação pública, se esteja de facto diante de instrumentos contratuais atributivos de veros e próprios “subsídios” ou “subvenções”. E, a esse propósito, o ponto de partida não pode deixar de ser, à luz de uma análise global das prestações convencionadas, o que de, “nos contratos de subvenção, o que está em causa é um conjunto de atribuições patrimoniais que só pode ser compreendido à luz da função do contrato, que é a de apoiar uma atividade e não a de adquirir um serviço”[3], donde, o aspeto essencial a apreciar é a natureza dos valores a pagar ao beneficiário, pois que apenas quando estes revelem “caráter não comercial” é que se poderá falar verdadeiramente num subsídio ou numa subvenção pública[4].

Ora, para este efeito, e tendo para mais em vista os elementos interpretativos auxiliares que se conseguem extrair do regime da Lei n.º 64/2013, de 27 de agosto, que define «subvenção pública» como “toda e qualquer vantagem financeira ou patrimonial atribuída, direta ou indiretamente, pelas entidades obrigadas, qualquer que seja a designação ou modalidade adotada” (artigo 2.º/2), deve assumir-se que, para se estar diante de uma verdadeira subvenção, a mesma não pode corresponder a uma “contrapartida específica a uma prestação determinada a efetuar pelo beneficiário no interesse direto na entidade pública que a concede”[5], isto é, terá de se traduzir na “realização gratuita de prestações pecuniárias”[6].

Para poder ser verdadeiramente qualificada como tal, uma subvenção pública não pode assim corresponder a uma contrapartida de um quid que o beneficiário desenvolva em benefício da entidade que a atribui; não pode por isso existir, se se quiser, qualquer sinalagmaticidade entre o pagamento dessa quantia e os deveres de realização da atividade a cargo do beneficiário. No fundo, trata-se de reconhecer que a “relação subvencional corresponde a uma realidade que, ainda que seja regulada por contrato, nunca perde uma dimensão unilateral”[7]; e bem assim reconhecer nas reais subvenções uma “relação de cooperação”, na qual por conseguinte “a quantia pecuniária entregue não remunera a atividade do beneficiário, mas representa o contributo ou participação da Administração Pública para a realização de uma atividade privada relevante para o interesse público”[8].

Deste modo, e por exemplo, “um contrato pelo qual uma entidade adjudicante financia uma atividade interesse geral (v.g., atividade artística ou cultural) e que não prevê a realização ou organização de eventos específicos ou a produção de resultados que correspondam à satisfação de e um interesse próprio da entidade adjudicante será um contrato de subsídio ou subvenção”; diferentemente, “uma prestação atribuída por aquela entidade em contrapartida de um serviço específico a prestar pelo beneficiário ou de uma prestação que, para ela, tem um interesse económico direto já não é um subsídio, mas uma contrapartida (uma remuneração) e, então, a parte II do CCP já deverá, em princípio, aplicar-se à formação desse «contrato de aquisição de serviços»”[9].

Em suma, não podem beneficiar da exclusão prevista no artigo 5.º/4, c) do CCP contratos que, sob a aparência de subvenções, se reconduzem afinal e substancialmente a contratos de tipo aquisitivo em favor das entidades adjudicantes. É que “as aquisições de serviços visam a satisfação de necessidades da entidade adjudicante, ao passo que as subvenções visam o apoio a atividades ou projetos que apresentem uma dimensão de interesse público”[10]. Ou, no que é dizer o mesmo: “no caso dos contratos públicos, o cocontratante satisfaz de forma imediata a necessidade da entidade adjudicante, ao passo que nas subvenções o beneficiário fá-lo de um modo indireto, ou seja, satisfaz diretamente a prossecução do seu investimento ou atividade, e só reflexamente, porque esse investimento ou atividade foi reconhecido de interesse público, é que satisfaz a necessidade da entidade subvencionadora”[11].


[1]    Cfr. P. Fernández Sánchez, Direito da Contratação Pública, I, Lisboa: AAFDL, 2020, p. 220.

[2]    Cfr. M. Assis Raimundo, A Formação de Contratos Públicos, Lisboa: AAFDL, 2013, p. 624.

[3]    Cfr. M. Assis Raimundo, Direito dos Contratos Públicos, I, Lisboa: AAFDL, 2022, p. 201.

[4]    Cfr. Idem, ibidem, p. 202.

[5]    Cfr. P. Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, 6.ª ed., Coimbra: Almedina, 2023, p. 253.

[6]    Cfr. M. Esteves de Oliveira/R. Esteves de Oliveira, Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Coimbra: Almedina, 2011, p. 156.

[7]    Cfr. M. Assis Raimundo, Direito, I, p. 204.

[8]    Cfr. A. R. Coxo, O Direito Administrativo das Subvenções, Coimbra: Almedina, 2023, p. 264.

[9]    Cfr. P. Costa Gonçalves, Direito, p. 253.

[10]  Cfr. A. R. Coxo, O Direito, p. 268.

[11]  Cfr. P. Linhares Dias, A atividade administrativa de fomento, Coimbra: Gestlegal, 2023, p. 370.